Poder x Mulher
- Consórcio de DSs

- 26 de abr.
- 4 min de leitura

Preconceito contra mulheres. Tratar do tema não me agrada. Porque estou cansada. Esse é trabalho para as meninas. Não apenas porque é extenuante e um pouco doído tratar disso, mas porque o machismo tem nuances próprias de cada época e ninguém melhor do que a geração do tempo presente para reconhecê-las e escolher as armas adequadas para enfrentá-las.
Não que o preconceito contra mulheres aplaque sua fúria contra as mais velhas. Ao contrário, quando despe o manto do desejo, o machismo veste o da crueldade. Sem máscaras.
Acontece que o tema nos foi pautado quando da divulgação de um evento que contribui para a organização, em Belo Horizonte, para tratar de questões que nada tinham a ver com a discriminação contra as mulheres. O tema do evento era o Estado Brasileiro, organização tributária, economia política e a Receita Federal.
Assim que apresentamos a programação com a composição das mesas, Juliana Baruzo da Intersindical, Central Síndical - que participou e apoiou o evento - constatou que entre os 23 convidados como palestrantes e debatedores, apenas duas eram mulheres.
Autocrítica aceita, já que participei da organização, fui pesquisar mulheres dentro das mesmas áreas dos convidados homens. O resultado foi desolador. No jornalismo político e econômico, por exemplo, pouquíssimas. Nas centrais sindicais, sindicatos e federações, raras. Na cúpula da Receita Federal, um pouco pior. Cito como exemplo as Superintendências da Receita Federal (SRRF). Dos 10 Superintendentes do país, apenas uma mulher em 2025, à despeito da declaração do Secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, de nomear mais mulheres para cargos de comando.
No Sindireceita, onde aproximadamente 56% da base filiada é de mulheres, não temos nenhuma presidente dos sete Conselhos Estaduais e apenas 11 Delegadas entre as 77 Delegacias Sindicais do país. O presidente da Diretoria Nacional e do Conselho Nacional também são homens.
Na abertura do evento, perguntamos ao Superintendente de Minas Gerais à época sua opinião sobre o quadro na Receita Federal. Disse que os SRRF e chefes de unidades são escolhidos a partir de banco de gestores, onde os candidatos aos cargos se inscrevem livremente. E que são raras as mulheres inscritas.
A questão, portanto, parece ser outra. Por que fogem do poder as mulheres? Ou seria o contrário...
A justificativa de outro administrador da Receita presente no evento, de que há, por outro lado, muitas mulheres como adjuntas dos titulares - fato que também observamos no Sindireceita - afasta dois argumentos tentadores:
Falta de capacidade delas para os cargos de comando. Fosse o caso, por que são convidadas e nomeadas pelos titulares para suas adjuntas (como partícipes das mesmas atividades e decisões)?
Elas não tem interesse ou vontade. E mesmo assim aceitam ser adjuntas? O que justificaria o “sacrifício” de aceitar, já que não são obrigadas a isso e o cargo de adjunto não é remunerado?
Outro exemplo emblemático é o das próprias Centrais Sindicais. Todos os postos de comando nacionais - de presidente ou secretário geral - são ocupados por homens. Já na base, onde se dá a construção efetiva junto aos trabalhadores, estão muitas mulheres. Novamente usamos Minas Gerais como referência. Mas uma rápida consulta na internet mostra o mesmo quadro em todas as regiões do país.
Já que as mulheres estão presentes em cargos "adjuntos" aos titulares e na base organizada das lutas do trabalho, como se vê nos três exemplos citados, cabe a dúvida: elas fogem mesmo do poder?
A resposta só avança se entrarmos no difícil campo das sutilezas, do não dito, do preconceito apenas sentido, mas impossível de ser traduzido racionalmente. E da impotência que isso causa. Porque “existe um sentir que é entre o sentir - nos interstícios da matéria primordial”. Diferente do preconceito que se vale da violência física, que deixa atrás de si evidentes olhos roxos, braços quebrados, corpos no chão, a modalidade sutil se faz apenas sentir, a violência, não menos doída, é de outra natureza. Não quebra a espinha dorsal, mas quebra a coluna de sustentação da nossa humanidade, da nossa dignidade e, sim, da nossa vontade de poder.
No caso da vontade de poder, de mando, a sutileza do machismo se expõe. Basta notar que a um homem ambicioso, que galga postos de poder e mando, atribui-se certa aura de Odisseu, destemido. Mas vá Penélope se atrever a desejar poder ao invés de esperar pacientemente a volta de Odisseu e tecer sua colcha e chorar em silêncio.
O fato evidente, matemático, é que as mulheres ainda estão longe do poder, das linhas decisórias. As poucas que se atrevem a navegar os mares da política, da cúpula das grandes corporações, do comando sindical, dos lugares de poder enfim, sabem das barreiras intransponíveis com que se deparam. Barreiras tantas vezes invisíveis para um olhar de fora, o que é desesperador. Sabem elas onde “está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo(*)” e que não podem ultrapassar. Não porque não desejam, mas porque lhes é sutilmente proibido.
Há muito que avançar, portanto. Olho com esperança para uma parcela das meninas desta geração. E com desespero para outra parcela, incluindo muitos meninos. Nessa disputa de Titânides(**) torço para que muitas Julianas apareçam, sempre atentas, militantes, provocando reflexão, alimentando nossa fé na humanidade.
A elas, lembro que ainda falta aos embates das mulheres uma questão essencial, e poucas vezes posta: quais as consequências, para a humanidade toda, desse longo silêncio das mulheres entre as vozes com poder para decidir o nosso futuro?
“E a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.”
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(*) As citações entre aspas são de Clarice Lispector em “A paixão segundo G.H”
(**) Titânides. Na Mitologia Grega, são filhas de Gaia e Urano, as 6 irmãs dos Titãs. Teia, Reia, Têmis, Mnemosine, Febe e Tétis
Mari Lucia Baldissarelli Zonta
Delegacia Síndical de Belo Horizonte




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